O Livro de Areia por Jorge Luís Borges
Reli com surpresa e maravilha o Livro de
Areia conjunto de treze contos de Jorge Luís Borges, encontrando novos pontos
de reflexão e encanto.
O primeiro conto, o Outro, fala-nos de um encontro impossível, fora do tempo e do
espaço, de nós connosco próprios em fases diferentes da vida. Que teríamos a
dizer-nos, que concelhos daria o eu mais velho ao eu mais novo? Que aspirações
e lembranças queria o mais novo que perdurassem no mais velho? Que silencio se
instalaria? “Meio século não passa em
vão. Dessa nossa conversa de pessoas de variadas leituras e gostos diversos,
compreendi que não poderíamos entender-nos”.
Ulrica é
um dos raros escritos de Borges habitados por uma mulher e por um amor carnal
que contudo está envolto no sobrenatural – “O
esperado leito duplicava-se num vago espelho e o lustroso mogno recordou-me o
espelho das Escrituras. Ulrica já se tinha despido. Chamou-me pelo meu
verdadeiro nome Javier. Senti que a neve ameaçava. Já não quedavam móveis nem
espelhos. Não havia uma espada entre os dois. Como a areia, escoava-se o tempo.
Secular na sombra fluiu o amor e possuí pela primeira e última vez a imagem de
Ulrica”.
O Congresso aborda um dos temas maiores do
escritor, a espantosa unidade na diversidade do Universo, onde tudo cabe em simultâneo.
É na fruição do momento que nos integramos no todo em que tudo está
inexplicavelmente interligado.
There
are more things, intitulado assim mesmo em inglês,
apresenta-nos uma casa assombrada, a Casa Colorada, em que vive um ser
misterioso. “Muitas vezes repeti para mim
que não há outro enigma para além do tempo, essa infinita trama do ontem, do
hoje, do amanhã, do sempre e do nunca”.
A origem do nome de A seita dos Trinta explicada
por uma interpretação da morte de Cristo em que “Voluntários só houve dois: o Redentor e Judas. Este arrojou as trinta
moedas que eram o preço da salvação das almas e logo se enforcou”. Na noite das mercês um jovem conheceu o
amor e viu a morte. Em O espelho e a
mascara o bardo norueguês procura as palavras exatas, belas e imorais para
exaltar os feitos do seu Rei, e descobre que a Beleza tem um preço. Undr relata-nos a busca de um homem da
palavra que concatene toda a beleza do mundo e nos maravilhe.
Utopia de
um homem que está cansado trata da vida longa e saudável, do aborrecimento e do
suicídio. O suborno passa-se no meio
universitário e nas vaidades e rivalidades que aí se estabelecem, como subornar
o insubornável?
Avelino
Arredondo planeou e levou à pratica um ato terrível hoje dá o nome
a uma rua da sua cidade natal. O disco
de Odin conduz-nos às profundezas negras e racionais da alma humana e às suas
desastrosas consequências.
Por último o Livro de Areia mostra-nos um livro infinito, sem princípio nem fim.
Uma escrita enxuta e sintética mas simultaneamente
repleta de referências eruditas, exaltante e misteriosa, profunda e leve, sempre
fundindo o tempo, religando acontecimentos díspares, revelando o que está
velado para lá das aparências inofensivas.
Os países europeus vêm o misterioso, o sensual,
o enigmático, o exótico nos povos do Sul como tão bem explicou o palestino Edward
Said no seu clássico Orientalismo. Mas Borges como escritor argentino encontra
a sua fonte inspiradora dos seus belos contos fantásticos, cultos, intrincados,
imaginativos e inquietantes no frio Norte, na Inglaterra saxónica, nas planícies
junto ao Vístula, na fria Escandinávia. Uma subtil ironia tanto ao seu gosto.
Jorge Luís Borges (1899-1986) é, muito
justamente, considerado por muitos o maior escritor do século XX.
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