quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Balada de Amor ao Vento


Balada de Amor ao Vento de Paulina Chiziane

A sociedade rural moçambicana com a sua organização tradicional, com o seu sincretismo capaz de aglutinar as tradições animistas com os seus curandeiros e feiticeiras com a religião cristã, o colonialismo com a sua violência e crueldade, são o pano de fundo para esta história de amor entre uma rainha e um plebeu.

Uma crítica mordaz e feroz da poligamia de alguns povos moçambicanos, das suas práticas casamenteiras e da violência sobre as mulheres presente nessas sociedades tradicionais. Critica que contudo pode, por vezes, parecer não levar em conta a história e o contexto em que essas práticas se desenvolveram. Mas o amor que se sente genuíno e profundo que a autora revela por esse povo simples redime qualquer leve vestígio de etnocentrismo.

A sabedoria popular “nem todas as lágrimas são tristezas, nem todos os sorrisos são alegrias. Os teus antepassados fremiam de dor, mas cantavam belas canções quando partiam para a escravatura. Os mortos vestem-se de gala quando vão a enterrar. Os vivos semeiam jardins nos túmulos tal como hoje te oferecemos flores. Os condenados sorriem quando caminham para o cadafalso mas choram quando são libertados”, a força do amor “a trama dos meus dedos pesca cardumes de raminhos secos, pedrinhas, folhinhas perdidas, bolinhos de areia, meu Deus eu sou a faúlha, eu faísco, meu marido é palha de coco, o meu marido é lenha de sândalo, é petróleo para eu acender, para juntos ardermos, juntos explodirmos com o ribombar do nosso amor” são temas presentes admiravelmente tratados.

O desejo de vida, de realização “sentia que vida devia ser algo mais do que nascer, sofrer, lavrar e morrer” leva-nos a abandonar o que temos e a recomeçar sempre na busca incessante da felicidade “descobriu que o ser humano tem várias mortes em vida, possuindo também poderes de autorressurreição”, para no final encontrar a paz junto dos que ama verdadeiramente.

Uma escrita bela e poética, um ambiente que mantendo-se realista nos transmite a espaços uma atmosfera onírica carregada de significados e premunições.

Paulina Chiziane (n. 1955) é uma escritora moçambicana, a Balada de Amor ao Vento, editado em 1990, foi o seu primeiro romance. Em 2003 ganhou o Prémio José Craveirinha pelo seu livro Niketche: Uma História de Poligamia.

Sem comentários:

Enviar um comentário