quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Portugal O Ultramar e o Futuro

Portugal O Ultramar e o Futuro por Manuel José Homem de Mello

Um livro que explana, detalha e defende a alternativa neocolonialista ao projeto salazarista de um Portugal do Minho a Timor. Uma proposta apadrinhada pelo Marechal Craveiro Lopes, antigo Presidente da República do regime fascista, e por uma parte das novas elites pró-europeias que emergiam do surto desenvolvimentista associado à entrada de Portugal na EFTA e por setores político-militares querendo tirar conclusões da recente e humilhante derrota militar portuguesa na Índia e da guerra colonial francesa na Argélia.

Com argumentos sólidos Homem de Mello mostra que a política de Salazar só pode conduzir ao desastre militar e à expulsão das forças portuguesas dos territórios africanos e asiáticos. Defende, pois, o afastamento de Salazar e a adoção de outra política.

O abandono de Portugal pelos seus aliados e o seu isolamento internacional é percebido como dramático para o futuro do país – chegando a sugerir que pode levar o país a tornar-se um país socialista, o que do seu ponto de vista seria o pior possível.

Acresce que a população portuguesa é uma tal minoria que não permite sonhar com uma solução racista como na África do Sul ou na Rodésia. Referindo-se a Angola diz “em 1950 havia na província 78 826 homens brancos, o que significa que em 400 anos de esforço civilizador conseguimos apenas enraizar pouco mais portugueses do que os que na metrópole esgotam, em dias de futebol internacional, a lotação do estádio do Jamor!” De facto a presença portuguesa em África é um mito, uma vez que nunca passou de alguns pontos da costa que permitiam efetuar o odioso comercio de pessoas. Ele próprio o reconhece “É que ter em 1858, 1500 portugueses originários da metrópole, é quase o mesmo que não ter ninguém”.
Propõe então uma política de emigração da metrópole para África desviando os tradicionais fluxos migratórios “proletários” que se dirigiam para o Brasil e a Venezuela.

Quanto à civilização propriamente dita escreve “Dos quatro milhões de negros, originários de Angola, quantos falarão português? …E quantos sabem ler e escrever? Vinte mil, cinquenta mil?

Que projeto então propõe este deputado à Assembleia Nacional? A promessa de independência a prazo, a preparação de uma elite local pró-portuguesa, capaz de assumir o poder nos países que se formassem, manter uma forte presença populacional e económica a par de uma importante influência política portuguesa nesses novo países.

Interessante o ponto de vista de que a atribuição da nacionalidade portuguesa a todos os habitantes africanos era ou insustentável ou falsa – “a outorga maciça de cidadania a todos os habitantes do Ultramar, por mais rudimentar que seja o estádio da sua evolução social, encontra obstáculos porventura intransponíveis, no momento de se efetivar. Economicamente, acarretaria da parte da metrópole sacrifícios que não viriam a ser consentidos voluntariamente, sem que por outro lado viesse a conseguir-se uma suficientemente rápida uniformização dos respetivos níveis de vida; socialmente exigiria a transferência para cada uma das províncias das normas administrativas e do aparelho burocrático da Metrópole, transferência ruinosa para ambas as partes; politicamente levaria à Assembleia Nacional um número de deputados ultramarinos quando menos igual aos eleitos na Metrópole; moralmente não sufocaria as reivindicações nacionalistas, mais vivas nas leites que já despontam, do que nas massas ignaras”. Toda a teoria do fardo do Homem Branco. Não seria suportável à Metrópole assegurar os mesmos direitos e níveis de vida às populações, pelo que o melhor é conceder-lhes a independência, libertando-nos dos custos, desde que mantenhamos os nossos interesses intactos.

Logicamente conclui “A integração surge, assim, como objetivo inaceitável e inacessível. É um mito sem qualquer possibilidade de se converter em realidade”.

Os tons racistas do livro são inúmeros considerando “os negros em estádio de desenvolvimento quase primitivo”.

Portugal sem colónia devia diluir-se na Espanha e na Europa. Escreve “A União Ibérica, se tiver que realizar-se, far-se-á tão-somente à sombra da Unidade Europeia e nunca numa cedência unilateral de soberania”. Defendendo a “Unidade Europeia – esperança maior de todos aqueles que ainda não desesperaram de ver surgir, no futuro não muito distante uma Nova Europa, forte e coesa, que venha a ser o “fiel da balança entre os dois colossos que hoje dominam o mundo”.

Quase todas as ideias de Homem de Mello foram adotadas pelo regime saído do 25 de Novembro, quer no que respeita ao neocolonialismo quer na integração ibérica no seio da União Europeia. Estão em marcha embora ainda não plenamente concretizadas, pois como ele próprio firmou “não ser possível exigir que … os povos aceitem de repente o que durante séculos foi considerado sacrilégio … é mister que … os habitantes dos vários países que constituem a Europa Ocidental se convertam em simples cidadãos europeus”.

Um livro com ideias, a que não adiro, que se deve reconhecer terem tido grande alcance político e social. Imprescindível para compreender a sociedade atual.

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