quarta-feira, 4 de junho de 2025

Tira o Disco e Toca ao Vivo


 

Tira o Disco e Toca ao Vivo por João Gobern

 As monumentais alterações na indústria do musical das últimas décadas afastaram o público dos suportes físicos, os discos, as cassetes, os CDs, e ditaram a migração em duas direções aparentemente divergentes o streaming e o concerto ao vivo. E digo aparentemente porque ambas remetem para a experiência sensorial efémera mas mercante.

Gobern explica-nos com detalhe os vencedores e os vencidos desta transformação tecnológica e social, das alterações que fizeram reviver uma indústria que recupera do abismo onde esteve. Os músicos e o público foram os grandes perdedores, as grandes editoras as vencedoras, apropriando-se agora de quase todas as receitas das bandas, dos compositores e dos artistas.

O que escapa a Gobern é o mundo anterior aos discos de vinil e à rádio, um mundo em que o concerto ao vivo era, então, a única forma de os compositores e músicos darem a conhecer ao público o seu trabalho. Era um mundo em que os artistas atuavam para públicos restritos, fragmentados e segmentados e estavam muito dependentes de mecenas e instituições, nomeadamente políticas e religiosas, que os constrangiam.

Nesse sentido temos depois da tese (o mundo antigo), a antítese (com os discos e a rádio) e agora a síntese que, parecendo regressar ao passado, antes combina os dois mundos, alargando imenso o público e permitindo-lhe acesso a um amplo leque de artistas. Ainda não é o mundo perfeito mas é um salto em relação aos anteriores.

Um livro informado, escrito por um especialista, com o qual podemos aprender muito sobre a indústria musical.

João Gobern (n. 1960), é um jornalista, crítico musical e desportivo português.

domingo, 1 de junho de 2025

História em Duas Cidades

                                             História em Duas Cidades de Charles Dickens

Este grande clássico da Literatura ocidental traz-nos à memória a famosa frase de Mao Tse-tung: “a Revolução não é um convite para jantar a composição de uma obra literária, a pintura de um quadro ou a confeção de um bordado, ela não pode ser assim tão refinada, calma e delicada, tão branda, tão afável e cortês, comedida e generosa. A revolução é um insurreição, é um ato de violência pelo qual uma classe derruba outra”.

Uma história de amor e sacrifício, passada nos dois lados do canal da mancha, que tem como pano de fundo a revolução francesa de 1792 pela qual a burguesia derrubou a aristocracia, num ato de grande violência de que a guilhotina se tornou um símbolo.

Do lado inglês reina a ordem, a tranquilidade, a harmonia das classes e profissões e os suspeitos de crimes são julgados de forma justa, e quando inocentes libertados. Do lado francês reina a pobreza e o ódio de classe, baseado na crueldade e nas injustiças praticadas pela aristocracia que despoleta um desejo de vingança. Esta dicotomia não é inocente.

Um marquês que renuncia ao título, um advogado disposto a tudo pela sua amada, um banqueiro de bom coração, tentam navegar nas águas turbulentas de uma nação em revolta.

Charles Dickens (1812-1870), foi um escritor e jornalista inglês. As suas obras obtiveram grande sucesso no seu tempo e continuam hoje muito populares. Oliver Twist, Contos de Natal, David Copperfield, Grandes Esperanças, permanecem com clássicos indispensáveis a qualquer leitor.

sábado, 24 de maio de 2025

A Poesia Palestina do Século XX

 

 

A Poesia Palestina do Século XX

 

Uma muito cuidada e criteriosamente escolhida coletânea de poetas e poetisas da Palestina nascidos no século XX, complementada por um texto introdutório de Júlio de Magalhães, especialista de Literatura árabe.

 

Abre Fadwa Tuqan (1917-2003), nascida em Nablus cidade onde viveu grande parte da sua vida e onde veio a morrer. No poema “O Dilúvio e a Árvore” lê-se no que mantém toda a atualidade “Os céus ocidentais ressoam com explicações de regozijo: / «A Árvore caiu! / O grande tronco está esmagado. O furacão deixou a árvore se vida!» ” mas relembra que esta árvore tem “Raízes árabes vivas / penetrando profundamente na terra” e prevê que “Quando a Árvore se erguer, os ramos / vão florir verdes e viçosos ao sol”.

 

Segue-se Tawfiq Zayyad (1929-1994), que foi presidente da Câmara de Nazaré e depois Samih Al-Qasim (1939-2014) e May Sayigh (1940-2023), presidente da União das Mulheres da Palestina com a sua interpelação “Deixa eu os rios abandonem as nascentes / que os ventos abandonem o céus, / e que os mares sequem! / Tudo no universo tem um fim / Exceto o meu sangue derramado”.  

 

Outros poetas presentes incluem Murid Barghuty (1944-2021), Ahmed Dahbur (1946-2017), que nos conta “A morte do sapateiro” em honra de Abu Rayya um sapateiro assassinado por Israel #Os seus oito filhos e mãe deles / explodiram juntos”, Hanna Ashrawi (1948) que escreve sobre os jovens enterrados vivos pelos sionistas, Hanan Awad (1951) que “Abril! / Proclama que o meu sangue exala o perfume / Da terra dos antepassados”. O livro termina com Ghassan Zaqtan (1954) e Mahmud Darwich o maior poeta palestino de sempre. Deste último temos o poema “À minha Mãe” e o celebre “Bilhete de Identidade” de que extraímos os versos “Toma nota! / Sou árabe / Os meus cabelos … da cor do carvão / Os meus olhos … da cor do café”.

 

Uma edição do Movimento pelos Direitos do Povo Palestino e pela Paz no Médio Oriente (MPPM), uma organização que tem feito um trabalho extraordinário em prol da causa palestina.


 

sexta-feira, 16 de maio de 2025

O Lugar


 

O Lugar por Annie Ernaux

 

Um retrato a grosso, seco e forte do pai da autora escrito nos meses que se seguiram à morte dele. Uma vida que vai da agricultura ao operariado e deste a um pequeno negócio de merceeiro num bairro periférico e pobre. Não se trata de ascensão mas de migração, no mundo em rápida mudança e sacudido por duas guerras mundiais.

 

O fosso de classe que separa um pai de uma filha, um rio caudaloso que divide a cultura popular da cultura erudita da intelectualidade letrada e lida. Duas vidas unidas e divididas, numa dialética sanguínea, em encontros de poucas palavras e pouca interação.

 

Sem pieguices, sem adocicar nem glorificar, este livro apresenta-nos a realidade em bruto, simples, direta, neutra, sem adjetivos, nem sentimentalismos, sem julgamento. Como ela própria o afirma: uma escrita plana.

 

Annie Ernaux (n. 1940), escritora francesa, venceu numerosos prémios incluindo o Prémio Nobel da Literatura de 2022. As suas posições políticas de esquerda, apoiante do movimento dos coletes amarelos e integrada na França Insubmissa, são muito conhecidas. A sua intervenção em favor da Palestina e contra a política genocida do Estado de Israel granjearam-lhe um grande respeito pela coragem das suas intervenções.