segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Um discurso sobre as ciências

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Boaventura Sousa Santos, o decano da Sociologia crítica portuguesa, escreveu este pequeno mas denso texto já lá vão mais de 20 anos. Num discurso polémico e envolvente, defende que a ciência atravessa um fase de transição, estando prestes a abandonar o actual paradigma dominante e a abraçar um novo paradigma pós-modermo que estaria a emergir do actual.

O novo paradigma cientifico estaria ancorado em quatro vectores essenciais: i) Todo o conhecimento científico-natural é científico-social (diluição das fronteiras entre as ciências naturais e as ciências sociais e fusão destas duas áreas do conhecimento) ii) Todo o conhecimento é local e total (deixando de se organizar por disciplinas e passando a fragmentar-se por temáticas transversais e pluridisciplinares – por exemplo: “fazer baixar a taxa de mortalidade infantil, inventar um novo instrumento musical, erradicar uma doença, etc.") iii) Todo o conhecimento é autoconhecimento (fundido sujeito e objecto) iv) Todo o conhecimento científico visa constituir-se em senso comum (incorporando as virtude do senso comum na utensilhagem científica).

Uma mistura de ideias sensatas e outras que à primeira vista surgem estranhas como disparates mesmo. Dois exemplos destes últimos: i) A próposito da aproximação entre ciências naturais e ciências sociais escreve que “caberá especular se é possível, por exemplo, fazer análise filológica de um traçado urbano, entrevistar um pássaro ou fazer observação participante entre computadores”. Ii) A sua proposta de reintrodução da metafisica e da religião no seio da ciência, de onde foram há muito afastadas: “A ciência moderna não é a única explicação possível da realidade e não há sequer qualquer razão científica para a considerar melhor que as explicações alternativas da metafísica, da astrologia, da religião, da arte ou da poesia”. Eu, por meu lado, encontro várias razões para tendo o meu carro avariado colocá-lo nas mãos de um mecanico treinado, mesmo que pouco, numa tradição científica, do que leva-lo a arranjar a um grande curandeiro animista poeta.

Trata-se de um livro de ficção-científica epistemológica, i.e. as reflexões de BSS condesam mais uma antecipação do que ele espera e deseja que seja o futuro do que prescrevem, ou mesmo descrevem, regras de actuação científica no mundo actual.

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