sexta-feira, 27 de março de 2015

O enredo conjugal




Enredo Conjugal por Jeffrey Eugenides




Uma geração perdida no espaço. Jovens finalistas universitários americanos do inicio dos anos oitenta do século XX. Quão diferente de nós portugueses que viveram esses anos também a acabar os cursos universitários. Enquanto nós discutíamos apaixonadamente política eles passavam ao lado desse tópico. Mesmo na música os gostos surgem muito diferentes

As dúvidas, que querem ser, continuar estudos ou iniciar uma carreira, encontrar uma vocação espiritual, encontrar o parceiro certo e casar? Tantas questões e tão poucas respostas. A Índia chama, a ciência apela, a família constrange, a felicidade é fugidia. É o momento crucial nas suas vidas, o momento em que as decisões têm um peso de décadas senão da vida inteira.

É ainda possível escrever romances conjugais depois das grandes especialistas como Jane Austen os terem escrito no século XIX? Depois da semiótica, depois de Derrida, de Barthes, de Eco e outros? Jeffrey Eugenides vem provar que o romance de enredo conjugal está vivo e recomenda-se.

Um livro sobre muitos tópicos do Amor à doença, da Literatura à Religião, da espiritualidade à Ciência e acima de tudo sobretudo o enredo conjugal com o seu clássico triângulo impossível.

Um grande livro. Um excelente escritor a descobrir.

quarta-feira, 25 de março de 2015

O Islão é Charlie?

O Islão é Charlie? Por Slavoj Žižek


Reagindo propositadamente a quente (“Deixar o assunto arrefecer não gera uma verdade mais equilibrada, antes normaliza a situação e permite-nos evitar a verdade nua e crua”) aos acontecimentos de Paris Slavoj Žižek, um dos mais destacados pensadores contemporâneos, conclui que é necessário combater o islamismo radical.

E se o radicalismo islâmico surge na Europa e noutros continentes, aos olhos de tantos jovens, como uma opção de combate às injustiças é, mesmo assim, necessário questionar o seu projecto político-ideológico. Não para concluir que não existam injustiças sociais mas para compreender que esse radicalismo leva a uma sociedade ainda mais injusta. Na verdade a ascensão do radicalismo islâmico surge em paralelo com o desaparecimento da esquerda laica como defensora dos oprimidos e injustiçados.

Um livro muito interessante em que se desmistifica o Islão como fenómeno culturalmente atrasado e se demonstra o seu carácter moderno e se discute a questão da mulher no mundo muçulmano.

Muito interessante, embora por vezes se perca em intelectualizações ocas ao estilo francês, ajuda a perceber melhor este perigoso fenómeno que tem vindo a crescer nos últimos anos.

quarta-feira, 4 de março de 2015

A filha do coveiro

A filha do Coveiro por Joyce Carol Oates

Um professor de matemática, amante da filosofia e das artes, de origem alemã refugia-se nos Estados Unidos fugindo do clima político que se instalara no seu país com a subida de Adolf Hitler ao poder. Da barbárie nazi conclui que toda a cultura alemã e ocidental em que confiava como base civilizacional se alicerça afinal em bonitas palavras ocas de sentido e, sobretudo, mentirosas. Todas as palavras são mentiras, diz. Perante esta evidência louca a única atitude possível é o silêncio.

A rejeição da cultura leva-o de regresso ao mais rude trabalho braçal, como contraponto do labor intelectual, tornando-se coveiro, e à mais básica rejeição da sociedade, imaginando que vive no estado do todos contra todos, ou seja todos contra ele.

Silêncio e a humildade são as formas de sobrevivências e de rejeitar a mentira que adopta. Dessa forma não ensina os filhos que acabam por crescer, apesar da escola, rudes e semi-analfabetos. Não deixa a mulher falar alemão, única língua em sabe exprimir-se. Bane os livros e mesmo a música. Receoso afasta-se da sociedade e vê em cada pessoa um inimigo prestes a cair-lhe em cima.

Isolado e enlouquecido acaba por cometer vários crimes e a por termo à sua própria vida, deixando orfã a sua filha Rabecca, que dele herda uma desconfiança total em relação ao mundo que a rodeia e um propósito firme de sobrevivência características que, contudo, no seu caso não vêm em paralelo com uma renuncia do contacto social nem com o peso da doença mental.

Rabecca vai sobreviver num mundo hostil e acabará por muito rapidamente cumprir, mesmo como mãe solteira,  o sonho Americano, através dum casamento com o filho de um milionário.

 Um bom livro. Joyce Carol Oates posiciona-se claramente como séria candidata ao Prémio Nobel da Literatura.

segunda-feira, 2 de março de 2015

Escrever depois de Auschwitz

Escrever depois de Auschwitz de Günter Grass



Gunter Grass é o escritor do pós-guerra confrontado com os crimes hediondos a que a alta cultura alemã levou. Deveriam os alemães voluntariamente parar de escrever como defendeu Adorno ou de alguma seguir em frente e se sim em que direcção? A esta questão essencial responder Grass e o grupo dos 47 a que pertencia com a vontade de recomeçar sob um signo do cinzento, mostrando que nada é puro, muito menos a raça, que tudo são tons pardacentos envolvendo e fundindo o preto e o branco.

Mas a Alemanha não muda e pouco depois elegia como chanceler Karl Kiesinger, num governo de grande coligação, um alto responsável nazi o que levou Grass a envolver-se na política na campanha eleitoral de Willy Brandt.

Escrito em 1990 este texto contém um sério aviso a propósito da unificação alemã que aqui deixo: “Nem a Prússia, nem a Baviera, nem a Áustria poderiam, isoladamente, ter desenvolvido e levado a cabo o método e a vontade do genocídio organizado; teve de ser a Alemanha toda. Temos todas as razões para ter medo de nós próprios como união capaz de agir”.

Hoje que a união se consumou e que assistimos ao sofrimento do povo grego às mãos dos alemães devemos reflectir sobre as palavras deste laureado Nobel.

Undertaker

Undertaker por Xavier Dorison e Ralph Meyer

Anunciado como o “maior western depois do tenente Blueberry” este álbum de dois consagrados criadores de Banda Desenhada, como o são Xavier Dorison e Ralph Meyer, vinha colocar a expectativa num nível elevado mas a verdade é que esta não ficou defraudada.

Na realidade trata-se de uma nova série, que tem o undertaker (o cangalheiro) Jonas Crow como herói, e de que este álbum intitulado “O comedor de Ouro” é apenas o primeiro capítulo.

Uma mina de ouro, uma fortuna em pepitas, um moribundo que pretende levar a sua fortuna para a sua última morada constituem um enredo consistente e pano de fundo desta aventura passada no velho oeste.

Espera-se que em breve tenhamos acesso à versão em português desta obra que no original está em francês.

Mais uma excelente Banda Desenhada da escola belga que parece renascer com um conjunto de jovens criadores de bom nível a assumir o testemunho da velha guarda em desaparição. E claramente prefiro que estes jovens talentos avancem com as suas ideias, os seus heróis, as suas histórias do que percam tempo a recrear as sagas dos seus predecessores.