A Grande Evasão por Angus Deaton
Um livro perturbador, uma visão pessimista,
uma opinião perigosa porque inteligentemente apresentada através de um aparente
equilíbrio proporcionado pelo contraste e profusão de autores e obras de teses
contraditórias convocadas.
A grande evasão é a fuga da humanidade à
pobreza e à doença, duas realidades que se interligam. A esperança de vida
aumenta com o rendimento. A desigualdade é gerada porque alguns têm de ser os
primeiros a descobrir e adotar novas tecnologias e processos. O perigo da
desigualdade existe só quando estes pioneiros impedem os outros de os seguir,
impedindo-os de melhorarem também as suas vidas.
Mas a tese central de Angus Deaton, Prémio
Nobel da Economia em 2015, é a de que a ajuda aos países pobres é prejudicial e
deve ser eliminada. Segundo o autor essa ajuda atrasa a grande evasão de grande
número de pessoas. É certo, como refere, que a ajuda proporcionada pelos países
ricos não logrou retirar da miséria a grande maioria dos pobres do planeta, e
que a redução da pobreza verificada nas últimas décadas se localiza quase exclusivamente
na Republica Popular da China que com o seu regime tem através de um
crescimento económico sustentado afastado centenas de milhões de pessoas da
fome, da privação e da pobreza – “O
declínio dos números deve-se quase inteiramente ao milagre do crescimento
chinês”.
É também certo que a ajuda ocidental não
tem sido desinteressada, apoio a regimes anticomunistas, Deaton dá o exemplo de
Mobuto do Zaire, ou a países muçulmanos apoiantes de Israel como a Mauritânia, que
nada fazem pelas suas populações – “A
ajuda dos Estados Unidos foi sempre um reflexo da política externa
norte-americana: a apoio aos aliados contra o comunismo durante a Guerra Fria,
o apoio ao Egito e a Israel depois dos acordos de Camp David ou a canalização
de fundos para a reconstrução do Iraque e do Afeganistão”. Ainda correta é
a sua denúncia das ajudas condicionadas que fazem com que o dinheiro tenha de ser
gasto em produtos do país dador - “ De
acordo com algumas estimativas, 70% da ajuda dos Estados Unidos nunca chega aos
países de destino, pelo menos não em dinheiro”. Em todos estes casos,
Deaton, parece ter razão de que a ajuda é até prejudicial.
No caso de ajudas privadas como os Médicos
sem fronteiras e outras o que acontece na opinião de Deaton é que elas minam os
sistemas públicos de saúde ao contratarem o pessoal de saúde local e ao substituírem-se
às infraestruturas locais que assim se não desenvolvem.
Parece certo também que “nós muitas vezes temos uma noção limitada
daquilo que eles precisam ou desejam, ou de como as sociedades deles funcionam,
que as nossas tentativas desastradas de os ajudar com base nos termos por nós
definidos geram mais mal do que bem”
Daqui contudo não se pode concluir que o
apoio é todo mau e que deve ser retirado. Há bons exemplos, Cabo Verde é um
deles, em que o dinheiro não é desviado e serve para elevar os níveis de saúde
e de educação da população. O nível da ajuda é determinante. Se for uma migalha
que apenas mantém o pobre vivo ela não o tirará da miséria, é até natural que o
perpetue nela. O problema da ajuda é que é escassa, condicionada e mal
dirigida. Poder-se-á fazer melhor? Sem dúvida. Desistir de ajudar é que é
perigoso.
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