Notas sobre o Tráfico Português de
Escravos
Mitos desmontados com factos e números. A
mitologia das descobertas e do comércio português exposta friamente. O comércio
português durante séculos assentou na escravização de milhões de pessoas,
levadas de África para as Américas. Um esquema criminoso de índole comercial
fazia uma triangulação sinistra, compravam-se mercadorias na Europa e norte de
África que serviam para comprar escravos africanos, depois levados para as
fazendas e minas do Brasil que produziam os bens que depois eram vendidos na
Europa.
E se primeiro os escravos eram simplesmente
raptados das suas comunidades, a Casa Real, a grande beneficiária do tráfego,
logo o proibiu para incrementar o comércio. Passou assim a ser vulgar Portugal
instigar através da intriga guerras entre os povos africanos para depois lhes
vender armas e outros objetos e lhes comprar como escravos os presos de guerra.
Milhões de pessoas, acorrentadas, separadas
das suas famílias, foram levadas da costa da Guiné e da costa de Angola para o
Brasil e outras tantas vendidas para as Antilhas. Era um comércio bem
organizado pela Casa Real que cobrava avultados impostos sobre cada homem,
mulher ou criança vendido. Esta infâmia perdurou vários séculos, desde o século
XV até ao século XIX.
O tratamento dado pelos colonialistas
portugueses às pessoas escravizadas era terrível. Sujeitas a trabalho intenso
sem quaisquer direitos e castigadas com crueldade à vontade dos donos. A vida
média de uma pessoa a partir do momento em que era escravizada não ultrapassava
os 10 anos.
Outro mito que António Carreiras destrói é o
de Portugal ter sido pioneiro na abolição da escravatura. Na verdade Portugal
foi relutantemente obrigado pela Inglaterra a abandonar este vil negócio. Com a
independência dos EUA a Inglaterra deslocou a produção dos bens que produzia na
América para outros locais onde não podia utilizar escravos. Para secar o
abastecimento americano e para impedir Portugal de lhe fazer concorrência,
recorrendo à escravatura, o Reino Unido pressionou os outros países a abandonar
esta prática imoral. Portugal aboliu a escravatura devido às pressões externas de
uma guerra comercial e não de boa vontade.
Um capítulo pequeno mas significativo
descreve os múltiplos instrumentos de aprisionamento e tortura das pessoas
escravizadas.
António Carreira (1905-1998), português nascido
em Cabo Verde na Ilha do Fogo, é uma figura ambígua e muito controversa, tendo
por um lado efetuado uma carreira ascendente na administração colonial
portuguesa e por outro um etnógrafo e historiador a quem se devem estudos
sérios sobre o tráfico português de escravos e trabalhos incontornáveis da
historiografia da Guiné-Bissau e de Cabo Verde bem como levantamentos etnográficos
importantes sobre a cultura Mandinga.
A sua responsabilidade em 1959 no massacre
Pidjiquiti, em que a Polícia colonial portuguesa assassinou dezenas de
estivadores em greve, é ainda tema de debate. Este foi o acontecimento que
despoletou a luta armada de libertação nacional conduzida pelo PAIGC.
Certo é que foi ele, enquanto administrador
da Casa Gouveia, quem alertou a Polícia para a greve, uma vez de cargas
destinadas à essa empresa não estavam a ser retiradas dos barcos. Carreira
sempre recusou responsabilidade, tendo repetidamente afirmado “o que para mim se aparenta curioso é que
nunca tivessem apontado os autores materiais do caso: o Comandante Militar, o
Comandante da PSP e os restantes agentes do Governo”.
Um livro muito elucidativo que é essencial ler
para perceber a nossa História.
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