domingo, 18 de junho de 2017

Notas sobre o Tráfico Português de Escravos

Notas sobre o Tráfico Português de Escravos

Mitos desmontados com factos e números. A mitologia das descobertas e do comércio português exposta friamente. O comércio português durante séculos assentou na escravização de milhões de pessoas, levadas de África para as Américas. Um esquema criminoso de índole comercial fazia uma triangulação sinistra, compravam-se mercadorias na Europa e norte de África que serviam para comprar escravos africanos, depois levados para as fazendas e minas do Brasil que produziam os bens que depois eram vendidos na Europa.

E se primeiro os escravos eram simplesmente raptados das suas comunidades, a Casa Real, a grande beneficiária do tráfego, logo o proibiu para incrementar o comércio. Passou assim a ser vulgar Portugal instigar através da intriga guerras entre os povos africanos para depois lhes vender armas e outros objetos e lhes comprar como escravos os presos de guerra.

Milhões de pessoas, acorrentadas, separadas das suas famílias, foram levadas da costa da Guiné e da costa de Angola para o Brasil e outras tantas vendidas para as Antilhas. Era um comércio bem organizado pela Casa Real que cobrava avultados impostos sobre cada homem, mulher ou criança vendido. Esta infâmia perdurou vários séculos, desde o século XV até ao século XIX.

O tratamento dado pelos colonialistas portugueses às pessoas escravizadas era terrível. Sujeitas a trabalho intenso sem quaisquer direitos e castigadas com crueldade à vontade dos donos. A vida média de uma pessoa a partir do momento em que era escravizada não ultrapassava os 10 anos.

Outro mito que António Carreiras destrói é o de Portugal ter sido pioneiro na abolição da escravatura. Na verdade Portugal foi relutantemente obrigado pela Inglaterra a abandonar este vil negócio. Com a independência dos EUA a Inglaterra deslocou a produção dos bens que produzia na América para outros locais onde não podia utilizar escravos. Para secar o abastecimento americano e para impedir Portugal de lhe fazer concorrência, recorrendo à escravatura, o Reino Unido pressionou os outros países a abandonar esta prática imoral. Portugal aboliu a escravatura devido às pressões externas de uma guerra comercial e não de boa vontade.

Um capítulo pequeno mas significativo descreve os múltiplos instrumentos de aprisionamento e tortura das pessoas escravizadas.
  
António Carreira (1905-1998), português nascido em Cabo Verde na Ilha do Fogo, é uma figura ambígua e muito controversa, tendo por um lado efetuado uma carreira ascendente na administração colonial portuguesa e por outro um etnógrafo e historiador a quem se devem estudos sérios sobre o tráfico português de escravos e trabalhos incontornáveis da historiografia da Guiné-Bissau e de Cabo Verde bem como levantamentos etnográficos importantes sobre a cultura Mandinga.

A sua responsabilidade em 1959 no massacre Pidjiquiti, em que a Polícia colonial portuguesa assassinou dezenas de estivadores em greve, é ainda tema de debate. Este foi o acontecimento que despoletou a luta armada de libertação nacional conduzida pelo PAIGC.

Certo é que foi ele, enquanto administrador da Casa Gouveia, quem alertou a Polícia para a greve, uma vez de cargas destinadas à essa empresa não estavam a ser retiradas dos barcos. Carreira sempre recusou responsabilidade, tendo repetidamente afirmado “o que para mim se aparenta curioso é que nunca tivessem apontado os autores materiais do caso: o Comandante Militar, o Comandante da PSP e os restantes agentes do Governo”.

Um livro muito elucidativo que é essencial ler para perceber a nossa História.

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