sexta-feira, 23 de agosto de 2024

Artigo 353


 

Artigo 353 por Tanguy Viel

 

Um promotor imobiliário, sorridente, confiante, aparentemente abastado, chega a uma pequena vila da costa da bretanha perto de Brest. Rapidamente consegue vender o sonho de uma moderna estância balnear e entusiasmar as autoridades locais e os habitantes - operários que juntaram algum pecúlio advindo das indemnizações recebidas pelo seu despedimento do antigo Arsenal que encerrou a atividade.

 

Fechada a indústria o turismo poderia ser a saída para uma vila em decadência virada para o mar. Após o sonho desfeito do socialismo de François Mitterrand em que toda a vila embarcou o investimento especulativo surge como a alternativa – um erro que será pago com língua de pau.

 

Esta é a história de uma vigarice, mas é sobretudo uma dupla radiografia à alma e à sociedade francesa, incapaz de reagir, levando a amargura até ao suicídio e o crime. A profundeza psicológica, o retorno do social, incluindo a luta de classes, tornam este monólogo confessional, uma obra-prima da literatura francesa contemporânea.

 

Tanguy Viel (n. 1973), escritor francês, muito premiado pela sua já extensa obra. Com o Artigo 353 ganhou o Prémio François-Mauriac.  

domingo, 18 de agosto de 2024

Acta Est Fabula – Epilogo – 2015-2017


 

Acta Est Fabula – Epilogo – 2015-2017

por Eugénio Lisboa

 

Último volume das memórias de Eugénio Lisboa e dedicado à doença, tratamento, morte da mulher Maria Antonieta e do longo e infindável luto que se lhe seguiu.

 

Por vezes é melhor começar pelo fim, neste caso pelo derradeiro tomo desta obra memorialista. Aqui se conhece, na sua grandeza frágil, pela perda, pela idade, um intelectual português de quem toda uma ideologia me separava mas com quem, contudo, encontrei muitos pontos de vista comuns sobre tópicos tão afastados como a análise dos méritos da direita e dos seus dirigentes e a opinião sobre certos fenómenos da cena literária portuguesa.

 

Totalmente de acordo com a sua opinião sobre Gonçalo M. Tavares “Raramente tenho visto cérebros tão desfocados como o deste génio de aviário”, “escreve romances alemães com gente alemã. Só há um inconveniente: é que ele é português”, “a maior coleção de idiotices que até hoje se escreveram”. Idem sobre Lídia Jorge e José Rodrigues dos Santos. A este último apelida de “escritor” com aspas significativas e de quem diz “não fica uma frase que valha a pena reter”.

 

Eugénio Lisboa (1930-2024), engenheiro, adido cultural, professor universitário, ensaísta, poeta português. Morreu este ano em Abril, deixa uma vasta obra.

sexta-feira, 16 de agosto de 2024

Vidas e Mortes de Abel Chivukuvuku: Uma Biografia de Angola

Vidas e Mortes de Abel Chivukuvuku: Uma Biografia de Angola

por José Eduardo Agualusa

 

 

A biografia amaciada, simpática e sedutora de um dos principais dirigentes da UNITA, um dos responsáveis por uma guerra civil de várias décadas e que só acabou quando Savimbi foi morto e as suas forças armadas, já sem o apoio da África do Sul, exaustas se renderam. A biografia de um homem Negro que voluntariamente trabalhava sob as ordens do regime do apartheid, que recebia armas e dinheiro da CIA para derrubar o governo do seu próprio país, que apoiava a queima de mulheres a quem chamava bruxas, que secundava o assassinato de dirigentes do seu próprio movimento. Depois de todo esse curriculum é hoje deputado no parlamento angolano.

 

Um livro que se lê num fôlego, fluido e bem-escrito, mas tendencioso, que coloca Abel Chivukuvuku mais como espetador do que um ator responsável, como ele na realidade foi, subindo na hierarquia da Unita até aos lugares mais cimeiros. Mais como alguém perseguido por Jonas Savimbi do que um dos seus mais diretos colaboradores e executante da sua política. Obviamente muito longe de uma obra rigorosa e histórica.

 

José Eduardo Agualusa (n. 1960), escritor angolano, muito premiado em Portugal, tem uma obra longa.