domingo, 21 de junho de 2009

Morreste-me

A dor que deveras sente
Fernando Pessoa



Uma dor intensa, sofrida, imensa, omnipresente, em tudo se infiltrando, tudo usando como instrumento de tortura (“Tudo o que te sobreviveu me agride”). O que um filho sente quando perde um Pai.

Um texto espontâneo, pesado e verdadeiro. Três características tornam este livro notável no panorama literário português:

· A areligiosidade – num tema como a morte, a espiritualidade e a religião infiltram-se com facilidade e com frequência. José Luís Peixoto consegue abordar o tema sem recurso a crenças ou devoções, sem invocar a vida eterna. Sem essa esperança a morte torna-se mais definitiva, mais dura, mais real.


· A veracidade - quando alguém desaparece a tendência dos escritores do País é para o panegírico, para a evocação de qualidades sempre aumentadas, exageradas e amplificadas, que transformam o defunto naquilo que não era verdadeiramente. José Luís Peixoto não segue por esse caminho, o Pai que emerge do seu livro é uma pessoa de carne e osso, presente na educação dos filhos, mas frágil e indefeso perante a doença (“... e nós a vermos o sangue alastrar-te nas calças e no casaco de pijama. Pai que nunca te vi tão vulnerável, olhar de menino assuntado perdido a pedir ajuda. Pai, meu pequeno filho.”). Não é um herói inverosímil, mas tão só um ser humano que podemos identificar.


· A dignidade – aqui não há lugar para lamúrias, nem carpideiras, não há espaço para a pieguice, nem para a auto-vitimização, do tipo “porquê eu?”, “coitado de min”, que transmigra o foco da atenção do morto para o que chora, mas à custa da dignidade deste último. Aqui existe apenas a dor e a memória. Assumidas com verticalidade.

A ausência da religiosidade, o evitar do caracterização laudatória e a dignidade na adversidade, sem queixumes nem lamentos, afastam este livro da abordagem tradicional deste tema, e consagram este livro como uma obra maior da literatura contemporânea portuguesa.

A escrita flui num ritmo de choro digno, assumido, sentido. O texto poderia ser teatralizado, no que seria um monologo comovente.

Num país em que a edição literária aposta apenas nos filhos de família, que faz passar por escritores, e em que o único Nobel português vivo foi escorraçado para o estrangeiro, José Luís Peixoto teve, naturalmente, de recorrer à edição de autor para que o seu livros chegasse aos leitores. Ainda bem que o fez.


Sem comentários:

Enviar um comentário