sexta-feira, 13 de outubro de 2017

O Fim do Homem Soviético

O Fim do Homem Soviético de Svetlana Aleksievitch

Natália Igrunova definiu, com rigor e perspicácia, a escrita de Svetlana Aleksievitch como sendo a “síntese da literatura documental e literatura de ficção”.

Algures entre a História contemporânea, a Sociologia e a Literatura este livro baseado em múltiplos depoimentos ficcionados, essencialmente de intelectuais mas também incluindo testemunhos de pessoas comuns, traça um perfil da desgraça, provocada nos anos 90 pelo fim do Socialismo, que se abateu sobre os países da antiga URSS.
  
O tom é claro, a maioria das pessoas não queria o fim do socialismo, não queria o capitalismo selvagem que se seguiu, não queria o desmembramento sangrento da URSS em múltiplos países, apenas queriam um novo alento económico e alguma abertura política, em suma o que alguns apelidam de “socialismo de rosto humano”.

Muitos os que participaram nas manifestações em prol de Ieltsin, dos que se opuseram ao Socialismo, ficaram desiludidos e, a maioria, na miséria material, despedidos dos seus empregos, obrigados a abandonar as suas profissões intelectuais e a trabalhar em empregos que consideram inferiores. Uma pessoa diz “Fomos de uma ingenuidade repugnante” outra afirma “O comunismo é o futuro da Humanidade. Não há alternativa”.

A própria Svetlana faz a seguinte síntese do que ouviu “ Não negam a crueldade de Estaline, nem as repressões, mas dizem que o poder soviético era justo para com as pessoas simples, que uma pessoa que tivesse dinheiro não era tão impudente como os capitalistas de hoje, não havia tanta corrupção. Para a geração mais velha, o principal foi a perda do homem bondoso, com uma vida comum, de igualdade sob tutela do Estado. Muitas das pessoas da minha geração, em especial os intelectuais, continuam excluídas da vida lançadas na pobreza”.

Com o fim do socialismo vastas camadas sociais foram lançadas na miséria “Um quilo de carne custava trezentos e vinte rublos e o ordenado da tia Olga eram cem rublos – era professora numa escola primária”, “Não entro em lojas caras, tenho vergonha; há seguranças que me olham com desprezo”.

Nos países que se separaram da URSS as diversas minorias lançaram-se numa guerra fratricida que custou a vida a dezenas de milhares de homens, mulheres e crianças e obrigou centenas de milhares de outras a ter de fugir da sua terra e a procurar refúgio noutros lugares. “Há um mês éramos soviéticos, e, de repente, éramos georgianos, ou abecásios, ou russos”, “ Na escola soviética ensinavam a toda a gente: os homens são amigos, camaradas e irmãos”. Depois do Socialismo os massacres interétnicos começaram “Lembro-me da tia Sónia, uma amiga da minha mãe … Uma noite mataram os vizinhos dela… uma família georgiana de quem ela era amiga. E duas crianças pequenas”.

Um livro muito interessante, muito bem escrito, que merece ser lido com sentido critico. Curiosamente o título original em russo é “Tempo em Segunda Mão”.

Em 2015 o Prémio Nobel da Literatura foi atribuído a Svetlana Aleksievitch.

1 comentário:

  1. Já andava com curiosidade sobre o livro, agora com esta achega estou decidido a lê-lo.

    ResponderEliminar