O Fim do Homem Soviético de Svetlana
Aleksievitch
Natália Igrunova definiu, com rigor e
perspicácia, a escrita de Svetlana Aleksievitch como sendo a “síntese da literatura documental e
literatura de ficção”.
Algures entre a História contemporânea, a
Sociologia e a Literatura este livro baseado em múltiplos depoimentos
ficcionados, essencialmente de intelectuais mas também incluindo testemunhos de
pessoas comuns, traça um perfil da desgraça, provocada nos anos 90 pelo fim do
Socialismo, que se abateu sobre os países da antiga URSS.
O tom é claro, a maioria das pessoas não
queria o fim do socialismo, não queria o capitalismo selvagem que se seguiu,
não queria o desmembramento sangrento da URSS em múltiplos países, apenas
queriam um novo alento económico e alguma abertura política, em suma o que
alguns apelidam de “socialismo de rosto humano”.
Muitos os que participaram nas manifestações
em prol de Ieltsin, dos que se opuseram ao Socialismo, ficaram desiludidos e, a
maioria, na miséria material, despedidos dos seus empregos, obrigados a abandonar
as suas profissões intelectuais e a trabalhar em empregos que consideram
inferiores. Uma pessoa diz “Fomos de uma ingenuidade
repugnante” outra afirma “O comunismo
é o futuro da Humanidade. Não há alternativa”.
A própria Svetlana faz a seguinte síntese do
que ouviu “ Não negam a crueldade de
Estaline, nem as repressões, mas dizem que o poder soviético era justo para com
as pessoas simples, que uma pessoa que tivesse dinheiro não era tão impudente
como os capitalistas de hoje, não havia tanta corrupção. Para a geração mais
velha, o principal foi a perda do homem bondoso, com uma vida comum, de
igualdade sob tutela do Estado. Muitas das pessoas da minha geração, em
especial os intelectuais, continuam excluídas da vida lançadas na pobreza”.
Com o fim do socialismo vastas camadas
sociais foram lançadas na miséria “Um
quilo de carne custava trezentos e vinte rublos e o ordenado da tia Olga eram
cem rublos – era professora numa escola primária”, “Não entro em lojas caras, tenho vergonha; há seguranças que me olham
com desprezo”.
Nos países que se separaram da URSS as
diversas minorias lançaram-se numa guerra fratricida que custou a vida a dezenas
de milhares de homens, mulheres e crianças e obrigou centenas de milhares de
outras a ter de fugir da sua terra e a procurar refúgio noutros lugares. “Há um mês éramos soviéticos, e, de repente,
éramos georgianos, ou abecásios, ou russos”, “ Na escola soviética ensinavam a toda a gente: os homens são amigos,
camaradas e irmãos”. Depois do Socialismo os massacres interétnicos começaram
“Lembro-me da tia Sónia, uma amiga da
minha mãe … Uma noite mataram os vizinhos dela… uma família georgiana de quem
ela era amiga. E duas crianças pequenas”.
Um livro muito interessante, muito bem
escrito, que merece ser lido com sentido critico. Curiosamente o título original
em russo é “Tempo em Segunda Mão”.
Já andava com curiosidade sobre o livro, agora com esta achega estou decidido a lê-lo.
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