quarta-feira, 9 de maio de 2018

A ordem do dia


A Ordem do dia de Éric Vuillard

Um livro extraordinário que nos relata os dias em que os líderes franceses e ingleses procuravam uma política de aproximação à Alemanha nazi que então se preparava para anexar a Áustria ao mesmo tempo que expõe de forma clara a íntima relação de apoio dos maiores conglomerados económicos alemães ao Führer e as vantagens que daí puderam retirar, nomeadamente em termos de trabalho escravo.

Incomodo para a empresas expostas, entre elas colossos como a Opel, Krupp, Siemens, IG Farben, Bayer, Allianz, Telefunken, Agfa, BASF e Varta, inoportuno para os atuais dirigentes europeus que vêm em silêncio a ascensão ao poder da extrema-direita em vários países da União e que promovem milícias fascistas na Ucrânia e na Síria, esta obra excecionalmente bem estruturada, escrita numa linguagem fluida, alicerçada em parágrafos longos mas claros e diretos, recreando episódios reais, consegue estabelecer no leitor uma segura empatia com as vítimas e um forte clima emocional que, porém, não descola do racional.

Rompe com o dogma que perpassa pela literatura ocidental dos últimos quarenta anos que proíbe os escritores de falar de temas políticos ou sociais sob pena de as suas obras serem imediatamente acusados de panfletários e desclassificadas enquanto literatura.

Sobre Gustave Krupp escreve “Durante anos, contratara deportados em Buchenwald, em Flossenburg, em Sachsenhausen, em Auschwitz e em muitos outros campos ainda. A sua esperança de vida era de alguns meses. Se o prisioneiro escapava às doenças infeciosas, acabava por morrer literalmente de fome. Mas Krupp não era o único a contratar tais serviços. Os seus comparsas da reunião de 20 de fevereiro beneficiaram também dele; por detrás das paixões criminosas e das gesticulações políticas, os interesses de todos eles eram assim acautelados. A guerra tinha sido rentável. A Bayer arrendou não de obra em Mauthausen. A BWM contratava em Dachau, em Papenburg, em Sachsenhausen, em Natzweiler.Struthof, e em Bichenwald. A Daimler, em Schirmeck. A IG Farben recrutava em Ravensbruck, em Dachau, em Mauthausen, e explorava uma fábrica gigantesca no campo de Auschwitz; a IG Auschwitz, que com todo o impudor surge com esse nome no organigrama da empresa. A Agfa recrutava em Dachau. A Shell, em Nueungamme. A Schneider, em Buchenwald. A Telefunken, em Gross-Rossen e a Siemens, em Buchenwald, em Flosenburg, em Neuengamme em Ravensbrucke, em Sachsenhausen, em Gross.Rosen e em Auschwitz. Todos se tinham precipitado sobre a mão-de-obra barata. Não é pois Gustav que naquela noite tem alucinações, no meio do repasto familiar, são Bertha e os filhos que se recusam a ver. Porque os mortos estão de facto ai, presentes na sombra”.

Éric Vuillard é um escritor e cineasta francês curiosamente nascido em Maio de 1968.

Este livro, que venceu o Prémio Goncourt de 2017 vale, seguramente, um Prémio Nobel se o autor viver o suficiente para chegar à idade em que o Prémio costuma ser atribuído.

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