quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Caros fanáticos

Caros Fanáticos de Amos Oz

Uma obra que junta habilmente três escritos independentes e produzidos em épocas diferentes sequenciando-os de maneira a lhes dar uma unidade lógica e uma coerência interna.

O primeiro, que dá título ao conjunto, aborda o tema do fanatismo é um exercício interessante mas essencialmente falhado. A superficialidade da análise e a dificuldade em elevar-se a um nível teórico são evidentes, limitando-se o autor a refletir sobre algumas das características / traços do fanatismo sem conseguir penetrar a fundo no tema.

Essas dificuldades são evidentes quando enumera várias características do fanatismo que logo tem que admitir que não são exclusivas deste fenómeno – “É óbvio que nem todos os que erguem a voz a favor ou contra algo são fanáticos, nem todos os que protestam violentamente contra a injustiça se tornam por isso fanáticos. Nem pode ser acusado de fanático todo aquele que tem opiniões incisivas e cortantes”. Outras que aponta como a falta de sentido de humor estão mesmo muito longe de ser sequer indícios de fanatismo.  

O segundo ensaio aborda o sionismo e a cultura judaica procurando contrapor a pureza e pluralidade tradicional ao fanatismo religioso que constata existir em Israel – “Não somos diferentes uns dos outros apenas porque alguns de nós ainda não viram a luz, antes porque no mundo existem muitas luzes e não uma única luz”. Uma frase com que poderíamos concordar não fora aquele perigoso “apenas” que valida parcialmente o que parece condenar.

A adesão assumida ao sionismo leva-o a alterar a verdade história quando fala de Menachem Begin e da sua suposta ordem relativa ao tratamento dos prisioneiros palestinos. Na verdade Begin foi um dos militantes e lideres do Irgun um grupo terrorista cujas ações mais conhecidas foram a colocação de uma bomba no Hotel Rei David que matou 91 pessoas e feriu várias outras dezenas, e o massacre de Deir Yassin em 1948 quando os membros do Irgun invadiram a aldeia palestina de Deir Yassim e mataram centenas de palestinos. Como primeiro-ministro e chefe do Likud as suas mãos mancharam-se de sangue novamente em inúmeras ocasiões.

O seu ponto contudo neste segundo ensaio é a defesa da democracia israelita contra o fanatismo extremo do judaísmo que pretende eliminar a democracia formal e adotar uma constituição racista com um ainda mais férreo apartheid sobre os palestinos, afastando os laicos e impondo a ortodoxia religiosa.

O terceiro ensaio é sobre o futuro de Israel. Amos Oz é um defensor da solução de dois Estados: um Israelita e outro Palestino. Tem razão. É a posição defendida unanimemente pelos palestinos, da OLP ao Hamas, e pela comunidade internacional. A defesa desta solução, sempre do ponto de vista da segurança do Estado israelita e nunca de uma perspetiva humanista ou de justiça, é eloquente – “porque nós judeus israelitas não sairemos daqui. Não temos para onde ir. E os palestinos também não sairão daqui. Também não têm para onde ir”.

Um livro interessante de um sionista que olhando para o futuro procura encontrar soluções de Paz duradoiras. Infelizmente pouco escutado em Israel e no mundo judaico.

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