quarta-feira, 8 de maio de 2019

Carta sobre a tolerância

Carta sobre a tolerância de John Locke

O um livro inclui ainda dois longos textos introdutórios e, em posfácio, o prefácio original da primeira edição em língua inglesa da autoria de William Popple e uma advertência inicial.

Este último capta em duas páginas o espírito da carta e integra-a no movimento mais geral de advocacia das mais amplas liberdades civis e não se coíbe mesmo de dar a sua opinião “É da liberdade absoluta, da justa e verdadeira liberdade, da liberdade igual e imparcial, que temos necessidade”.

A advertência informa-nos que a tradução apresentada se “baseia no texto latino da edição preparada por Raymond Klibansky e é antecedida pela história do texto, escrita pelo mesmo investigador”. Raymond Polin faz-nos um enquadramento histórico da polémica sobre a tolerância que se desenvolveu na Inglaterra e norte da Europa no século XVII num momento em que guerras, pilhagens e perseguições de cariz religioso grassavam um pouco por todos esses países.

Assim carta sobre a tolerância refere-se apenas a um tipo muito preciso a tolerância religiosa.

Locke começa por definir e delimitar as esferas do Estado (“é uma sociedade de homens constituída unicamente com o fim de conservar e promover os seus bens civis”) e das Igrejas (“uma sociedade livre de homens voluntariamente reunidos para adorar publicamente a Deus da maneira que julguem ser agradável à divindade em vista da salvação das almas”).

Assim sendo Estado e Igrejas têm esferas diferentes e não sobreponíveis pelo que as Igrejas não devem apoiar-se no Estado para perseguir outras.

Acresce que a salvação das almas, objetivo das Igrejas, não pode ser conseguida pela força mas apenas pela fé que alojada no íntimo de cada um não pode ser imposta.

Mas a tolerância religiosa deve ter limites precisos e Locke estabelece-os com precisão. Fora da tolerância devem estar: i) os católicos porque obedecendo a um chefe estrangeiro diminuem e ameaçam o poder do Estado que “introduziria no interior das suas fronteiras e cidades uma jurisdição estrangeira”; ii) os intolerantes porque se conseguem predominância começam a perseguir os demais; iii) os que reivindicam poder sobre “pessoas não pertencentes à sua comunidade eclesiástica”; iv) os ateus porque “suprimida a crença em Deus tudo se desmorona”.

Assim o maior poder que uma Igreja deve ter é o de excomunhão, isto é de expulsar um dos seus membros que defenda ideias que não estão de acordo com a sua visão. A excomunhão não deve ter quaisquer efeitos civis, não podendo a liberdade ou os bens do excomungado ser afetados e devendo ser defendidos e garantidos pelo Estado.

Um pequeno texto admirável quer pela força e sensatez dos argumentos como pela clareza e convicção como são expostos.

Alguns dos limites da tolerância que defendeu, compreensíveis na época, como a intolerância aos católicos numa altura de grande poder secular da Igreja Católica, e em relação aos ateus não fazem hoje qualquer sentido. Os outros dois surgem, num momento em que forças intolerantes se erguem por toda a Europa, continuam muito atuais.

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