Carta sobre a tolerância de John Locke
O um livro inclui ainda dois longos textos introdutórios
e, em posfácio, o prefácio original da primeira edição em língua inglesa da
autoria de William Popple e uma advertência inicial.
Este último capta em duas páginas o espírito
da carta e integra-a no movimento mais geral de advocacia das mais amplas
liberdades civis e não se coíbe mesmo de dar a sua opinião “É da liberdade absoluta, da justa e
verdadeira liberdade, da liberdade igual e imparcial, que temos necessidade”.
A advertência informa-nos que a tradução
apresentada se “baseia no texto latino da
edição preparada por Raymond Klibansky e é antecedida pela história do texto,
escrita pelo mesmo investigador”. Raymond Polin faz-nos um enquadramento
histórico da polémica sobre a tolerância que se desenvolveu na Inglaterra e
norte da Europa no século XVII num momento em que guerras, pilhagens e
perseguições de cariz religioso grassavam um pouco por todos esses países.
Assim carta sobre a tolerância refere-se
apenas a um tipo muito preciso a tolerância religiosa.
Locke começa por definir e delimitar as
esferas do Estado (“é uma sociedade de
homens constituída unicamente com o fim de conservar e promover os seus bens
civis”) e das Igrejas (“uma sociedade
livre de homens voluntariamente reunidos para adorar publicamente a Deus da
maneira que julguem ser agradável à divindade em vista da salvação das almas”).
Assim sendo Estado e Igrejas têm esferas
diferentes e não sobreponíveis pelo que as Igrejas não devem apoiar-se no
Estado para perseguir outras.
Acresce que a salvação das almas, objetivo
das Igrejas, não pode ser conseguida pela força mas apenas pela fé que alojada no
íntimo de cada um não pode ser imposta.
Mas a tolerância religiosa deve ter limites
precisos e Locke estabelece-os com precisão. Fora da tolerância devem estar: i)
os católicos porque obedecendo a um chefe estrangeiro diminuem e ameaçam o
poder do Estado que “introduziria no
interior das suas fronteiras e cidades uma jurisdição estrangeira”; ii) os
intolerantes porque se conseguem predominância começam a perseguir os demais;
iii) os que reivindicam poder sobre “pessoas
não pertencentes à sua comunidade eclesiástica”; iv) os ateus porque “suprimida a crença em Deus tudo se desmorona”.
Assim o maior poder que uma Igreja deve ter é
o de excomunhão, isto é de expulsar um dos seus membros que defenda ideias que
não estão de acordo com a sua visão. A excomunhão não deve ter quaisquer
efeitos civis, não podendo a liberdade ou os bens do excomungado ser afetados e
devendo ser defendidos e garantidos pelo Estado.
Um pequeno texto admirável quer pela força e
sensatez dos argumentos como pela clareza e convicção como são expostos.
Alguns dos limites da tolerância que defendeu,
compreensíveis na época, como a intolerância aos católicos numa altura de
grande poder secular da Igreja Católica, e em relação aos ateus não fazem hoje
qualquer sentido. Os outros dois surgem, num momento em que forças intolerantes
se erguem por toda a Europa, continuam muito atuais.
Sem comentários:
Enviar um comentário