quarta-feira, 14 de março de 2018

A Louca da Casa


A Louca da Casa de Rosa Montero

Por vezes a mesma palavra, referindo-se à mesma realidade física, pronunciada em idiomas diferentes ganha conotações completamente diversas como é o caso de manta-de-retalhos em português e patchwork em inglês que na língua de Shakespeare remete para uma obra de grande detalhe, variedade visual e de cuidada composição enquanto na nossa é sinónimo de trabalho pobre com materiais velhos e de gosto duvidoso. 

É a palavra manta-de-retalhos que quero utilizar para descrever esta obra da escritora castelhana Rosa Montero (n. 1951) mas dando-lhe o conteúdo positivo do inglês e não aquele que lhe empresta o português.

Manta-de-retalhos, pois, na medida em que justapõe cuidadosamente vários estilos, o ensaio breve, o conto imaginativo, o romance no que a própria autora chama de estilo mestiço. Manta-de-retalhos porque múltiplas as reflexões empreendidas, os temas abordados, os assuntos analisados e os motivos convocados que preenchem um texto rico, bem elaborado, tudo unido por um tom autobiográfico e entrelaçado pela Literatura.

Uma autobiografia contudo toldada pela imperfeita memória do que passou há muito e pela imaginação, a louca da casa na feliz expressão da mística Santa Teresa de Jesus.

A necessidade dos escritores de reconhecimento público mas que nem sempre obtêm em vida, “Como aconteceu, por exemplo, a Hermam Melville, o autor do maravilhoso Moby Dick, um romance que século e meio depois da sua publicação, continuará a editar-se e a reverenciar-se, mas que na época não agradou absolutamente a ninguém, nem sequer aos amigos mais fiéis de Melville”, o destino divergente de irmãos escritores quase nunca de igual estatura literária mas em que existem exceções “os irmãos escritores mais celebres da história são irmãs, a saber, as Bronte, que tinham, além disso, a graça de ser três em vez de duas”, as personagens que ganham vida para além da obra e tantos outros temas ancoram-se firmemente no universo das letras.

Depois há o mundo dos escritores, dos seus medos, dos seus receios infundados, das suas crenças e atitudes perante a vida, as suas experiências, as suas traições.

Infelizmente o livro reflete também os preconceitos de Rosa Montero contra tudo o que não seja a ideologia dominante neoliberal da atualidade, nomeadamente o comunismo, ataca despudorada e injustificadamente Gabriel Garcia Marques pela sua amizade com Fidel Castro, o feminismo e outras ideais ou filosofias divergentes “Detesto a narrativa utilitária e militante, os romances feministas, ecologistas, pacifistas ou qualquer outro ista que pensar se possa, porque escrever para transmitir uma mensagem atraiçoa a função primordial da narrativa, o seu sentido essencial, que é o da procura de sentido”.

Eu que não vejo como seja possível comunicar com os outros, através da Literatura, da Arte, ou de qualquer outra forma, sem ter uma mensagem a transmitir não entendo este posicionamento que sinto apenas como tentativa de excluir outros e de desenhar um círculo fechado em torno de uma certa ideia de Literatura inócua e submissa.

1 comentário:

  1. Caro Jorge, boa noite.

    Muito boas leituras fiz aqui no seu blog.
    Li, recentemente, "A louca da casa". Gostei muito das alusões que a autora faz aos meandros da criação literária. Chamou minha atenção a importância que ela dá à liberdade criativa e à imaginação na fronteira entre o real e o inconsciente. Penso que foi nesse sentido que ela se referiu ao empobrecimento do texto quando o que move o autor são ideologias, as quais para a imaginação podem resultar amarras.
    Continue a publicar as avaliações de suas leituras! São muito oportunas.
    Saudações.
    Renê.

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