sexta-feira, 23 de março de 2018

Hoje, como ontem: o Estado Novo



Hoje, como ontem: o Estado Novo por Marcelo Caetano

Em 1946 terminada a II Guerra Mundial que derrotara o fascismo italiano e o nazismo alemão uma novo alento percorreu a oposição ao Estado Novo que contou ingenuamente com algum apoio externo para derrubar Salazar e democratizar Portugal.

Ancorado nas classes dominantes agrárias e na incipiente burguesia industrial, capitalizando o apoio concedido a americanos e ingleses na fase final da guerra, recorrendo à repressão policial, mantendo a censura, viciando as eleições legislativas de 1946 em que só a União Nacional pôde concorrer e a oposição organizada no MUD (Movimento de Unidade Democrática) impedida de o fazer, Salazar manteve-se solidamente a sua posição de ditador.

Marcelo Caetano, Comissário Nacional da Mocidade Portuguesa (1940-1944) e Ministro das Colónias e figura destacada da União Nacional profere este discurso no Porto em 1946.

Começa por recordar os erros da I República, segue com um panegirico a Salazar, prossegue com um elogio de 20 anos de ditadura e acaba elencando as prioridades para o futuro.

Marcelo Caetano pressente que a questão social, com tantos a viver na miséria, ganha uma nova centralidade no evoluir da situação política – “Ouço dizer que com um nível de vida baixíssimo e vejo fazer dessa afirmação um estandarte revolucionário”. Note-se a distância ao povo que esta frase denota denunciada pelo uso da palavra “ouço”. Claro que logo contrapõe que “ Não se podem exigir milagres…”. Apesar disso propõe uma “campanha de assistência social” baseada “sobretudo a solidariedade” mais do que no “socorro material”, concentrando-se no “amparo, guia e ensino”.
Um discurso programático que muito revela da política do pós-guerra da ditadura de Salazar.

Outros problemas que elenca são a democracia, a ideologia e a educação.
Quanto à democracia a sua solução é simples “Ao menos em Portugal, nada nos diz que se possa dispensar um governo forte e com permanência…”, i.e., manter a ditadura.

Na questão ideológica afasta-se do seu anterior radicalismo pró-fascista e quer fazer-se passar por democrata-cristão “Esta afirmação dos princípios cristãos na política” mas não deixa de criticar “certos excessos esquerdistas de alguns cristãos-sociais”. Com isto pretende legitimar o regime no seio de uma Europa ocidental dirigida por democratas-cristãos e social-democratas.

Para a educação, área em que Portugal ocupa, como hoje, um dos últimos lugares na Europa, propõe mantê-la elitista para que Portugal “possa contar com um escol moral e tecnicamente bem formado” e “para que a colonização dos territórios ultramarinos seja feita por elementos aptos a manter o prestígio europeu e português perante as populações indígenas em evolução”. Este parágrafo é revelador, as incultas populações portuguesas são equiparadas em instrução às populações indígenas das colónias. Uma realidade difícil de esconder.

Um livro revelador da política do Estado Novo para manter o fascismo em Portugal num momento em que a Europa ocidental adotava um novo figurino político. Desfaz o mito muito propagandeado de que Caetano seria um “liberal” do regime, quando pelo contrário todo o seu percurso foi a de um fiel seguidor e apoiante da ditadura salazarista, mesmo em períodos como em 1946 em que o regime esteve prestes a cair.



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