sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Ravelstein

Ravelstein por Saul Bellow


Bonecas, dentro de bonecas, dentro de bonecas numa regressão sem fim, as matrioshkas, as coloridas bonecas de madeira russas, são a imagem perfeita de uma viagem até ao âmago de uma questão ou problema.

Conhecer os outros pressupõe que nos entendamos a nós próprios, escrever a biografia de alguém implica expor muito de nós próprios. Mais ainda se biografo e biografado tiverem partilhado a mesma herança cultural e religiosa, sido colega no trabalho, amigo e confidente na vida privada. Nesses casos biografia e autobiografia entrelaçam-se sem que seja possível desenredar os fios multiplamente cruzados.

Como explicar o que vai no íntimo de outrem quando a morte é certa, quando o fim se aproxima, sem o ter vivenciado, sem o ter experimentado. Compreender o outro não é a vazia e superficial empatia de quem se coloca imaginariamente em pele alheia, mas, num nível mais profundo a comunhão de experiências, ter passado pelo mesmo, ter estado lá.

Saul Bellow conta-nos, neste extraordinário romance com chave, o último capítulo da história da sua amizade com o filósofo Allan Bloon o autor do muito celebrado “O fechar da mente americana” livro que lhe trouxe fama e fortuna e cuja introdução foi assinada pelo próprio Bellow.

Muitas ideias filosóficas de Bloom, que o autor recusa expressamente abordar, regressam pela porta do cavalo e são discutidas através de pequenos episódios da vida quotidiana que as confirmam ou refutam.

Uma obra que permite múltiplas leituras, nas suas múltiplas camadas, tornando-se cada vez mais apaixonante quanto mais fundo consegue ir. Como com as bonecas russas. 

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